A gravata, o piercing, a tattoo e a barba: alguém ainda liga pra isso?

Cerca de quatro anos atrás, marquei um almoço com um importante sócio de uma das maiores agências de comunicação do Brasil. Coisa grande. A agência pertencia a um grupo multinacional, um dos maiores do mundo, sabe?

O sujeito usava uma barba que apenas agora está caindo em desuso. Na época, arrisco que seis em cada dez sócios de agências usavam. Uma barba longa, estilo Dumbledore de Harry Potter, mas apenas com a ponta branca. Até hoje desconfio que cinco em cada seis deles pintavam a ponta para ficar uma barba com mecha a la Bonner. Mas me desvio do tema.

Buenas, até aqui você pode estar presumindo que tenho pouca barba e isso tudo é pura inveja. Tem razão, mas agora ambos estamos desviando do assunto. Voltemos.

Eu adoro usar gravata, ternos, essas coisas anos 1970 meio Mad Men. Na real, minhas referências são mais Reservoir Dogs, CQC, The Blues Brothers, MIB, etc.

E também herança de anos no mercado de provedores corporativos em que a gravata ainda era item exigido. Jamais me esqueci de que entrar em agências de propaganda e depois nas digitais no início do século era encontrar a galera de All Star, jeans e camiseta. Legal, mas havia virado um uniforme, e o que era para ser uma atitude que quebrava o “dress code” corporativo acabou virando algo nada criativo e basicamente um uniforme da galera jovem da comunicação. Por isso voltei a usar gravata. Usar gravata hoje é a grande sacanagem, o deboche e a quebra de padrões.

Esse sócio era meio debochado. Num primeiro momento, vi como um deboche descolado, mas com o tempo pude perceber ser a velha e boa arrogância que o digital herdou de parte da turma da propaganda. Aquele soberbo estilo “última bolacha do pacote” ou “última coca da geladeira” para usar duas expressões de época. E, em respeito ao peso da reunião, fui vestido a caráter, meio Harvey Keitel em “Reservoir Dogs”, meio John Wick com terno preto, camisa branca e gravata fininha, retrô moderninha.

Bom, de novo. O figurão do marketing me olhou e saiu gargalhando apontando para os meus trajes e debochando para os demais na mesa do restaurante: “Que isso, Jonatas, que antiquado de gravata”. Poupei ele de observar que antiquado era usar a palavra antiquado. E brotou, quase sem querer e naturalmente, a melhor resposta que já tive numa situação dessas e que segurei, guardei, travei apenas, tão somente porque ele era O CLIENTE. Não deveria. Deveríamos perder o cliente, mas não a piada, certo? Errado! Tá bom, tenho dúvidas. Mas enfim… quase, quase, quase respondi: “querido estrelão do mercado, sabe qual a diferença entre a minha gravata e a sua longa barba? Nenhuma. Ambas têm utilidade nenhuma e estão aqui nesta mesa apenas porque em algum momento nos olhamos no espelho com elas e chegamos à conclusão de que estávamos gatos, charmosos e mais inteligentes. Eu, com esta gravata, e você, com a sua barba, estamos apenas tentando fazer “personal branding”.

Provavelmente estamos errando, querido, certamente mais você, que parece saído de um livro do Tolkien, do que eu, que ainda posso num passe de mágica tirar a gravata que tanto te incomoda”. Poupei ele de discorrer sobre a utilidade dos pelos no ser humano e que todos nós que ainda temos pelos crescendo no meio da cara somos uma falha na Matrix, um erro na evolução, haja vista que, desde que o homem matou o primeiro animal e fez sua primeira roupa, pelos são apenas um contratempo chato no nosso dia a dia.

Mas não paro aqui ainda. Vamos defender a gravata, ou melhor, o direito de usá-la. Recebi convite de posse de uma nova diretoria de entidade. A entidade em questão queria passar uma imagem moderninha, renovada, do tipo “vejam, somos jovens”. O convite não deixava dúvidas, tinha um asterisco: proibido usar gravata. Vi as fotos da cerimônia depois. A mesma turma, os mesmos ternos e as mesmas camisas, apenas faltavam as gravatas, coitadas. Nunca essa turma pareceu tão velha para mim.

Eles não entenderam algo muito básico. O que deixa a entidade velha não é um acessório pendurado no pescoço, mas um convite dizendo o que pode e o que não pode ser usado no corpo num evento. Ser jovem e liberal, moderninho e tal, é não dizer o que as pessoas devem vestir, apenas respeitar a escolha de cada um.

Tatuagens, anéis (uso três), gravatas e barbas são adornos com pouca utilidade, mas muito estilo.

Semana que vem vou usar gravata diariamente. Quero ficar mal falado, rebelde, inconformado. Quero receber olhares tortos nas ruas. Atualmente somente engravatado dentro de uma linda fatiota para passar a imagem correta de um cara completamente contra o sistema. Minha única dúvida: pinto ou não a ponta de branco?

*Jonatas Abbott é sócio e diretor executivo da Dinamize